A letra possui um aspecto
narrativo, além de um caráter cíclico e comparativo. As três estrofes são muito
semelhantes, em especial as duas primeiras; a diferença básica pode ser
atribuída à última palavra de cada verso, sempre uma proparoxítona, que torna o
ritmo da música bem marcado e repetitivo.
Os
versos “Amou daquela vez como se fosse a última / Beijou sua mulher como se
fosse a última / E cada filho seu como se fosse o único / E atravessou a rua
com seu passo tímido” demonstram que o sujeito da canção é um homem, pai de
família. Existe um grande laço com sua mulher (“como se fosse a última”) e
um indicativo de que possui vários filhos (“e cada filho seu”). Uma
outra ideia sugerida é que um homem de baixa condição social, devido ao andar
tímido, que transparece a submissão aos demais na rua, e também pelo número de
filhos, muitas vezes associado à baixa classe social.
O título
da canção, bem como a profissão do homem, fica evidenciado pelos próximos
versos. Em “Subiu a construção como se fosse máquina”, o desempenho no
emprego é comparado a uma máquina, isto sugere que o homem trabalha sem
questionar o que faz, apenas está condicionado ao seu trabalho, algo tão comum
que o faz automaticamente. Lembrando que a letra foi escrita durante a ditadura
militar, algo que nos remete a pensar na submissão forçada: ou faz aquilo que
mandam, ou é punido.
“Ergueu
no patamar quatro paredes sólidas / Tijolo com tijolo num desenho mágico”, estes
dois versos comprovam o emprego do homem, ligado a construção civil, que também
reafirma a ideia de sua baixa classe social. Talvez uma das partes mais
sentimentais da música está em “Seus olhos embotados de cimento e lágrima”,
pois mescla um objeto nem um pouco emotivo, o cimento, com um símbolo da
sensibilidade, a lágrima. O interessante desse paradoxo é ver que podem
coexistir, nos olhos do trabalhador, a frieza do cimento com a fraqueza das
lágrimas, algo que em muito reflete o sofrimento desta condição social: a rigidez
imposta com o sentimento oprimido.
Nas
passagens “Sentou pra descansar como se fosse sábado / Comeu feijão com
arroz como se fosse um príncipe”, fica evidenciado o alívio da hora do
descanso. Sábado é o primeiro dia do fim de semana, aquele dia que vem logo
após a semana atribulada. Quando o intervalo do serviço é comparado a sábado, a
necessidade de descanso é realçada. O ato de almoçar uma comida tão simples,
rotineira, como o feijão e arroz, e se sentir um príncipe, indica um gosto
muito grande por uma combinação cotidiana, como se não se pudesse escapar desta
rotina.
O
alcoolismo, muito comum nas camadas inferiores da população, está claramente
desenhado em “Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago / Dançou e gargalhou
como se ouvisse música”. Além do mais, sabe-se que trabalhadores de
construção civil bebem para manter uma força muscular, relacionada ao trabalho
braçal.
Em meio
a alegria barata proporcionada pela bebida, ocorre um acidente: “E tropeçou
no céu como se fosse um bêbado / E flutou no ar como se fosse um pássaro / E se
acabou no chão feito um pacote flácido”. Destes versos podemos retirar que
o homem trabalha em um prédio alto, tão alto que tropeçar de lá é quase como
tropeçar do céu. A comparação com um bêbado é tanto por ter ingerido álcool
anteriormente quanto pelo andar trôpego e descuidado dos embriagados. Ao
tropeçar, começa a cair e choca-se ao chão, num impacto tão forte que seu corpo
parece flácido.
Após a
queda, “Agonizou no meio do passeio público”, isto é, os últimos
momentos de vida daquele homem. E para fechar: “Morreu na contramão
atrapalhando o tráfego”. O último verso mostra a indiferença da morte
daquele cidadão. Ao cair do prédio e estatelar-se no chão, a única preocupação
que ocorre, por parte do público que ali estava, foi em relação ao trânsito,
como se qualquer objeto tivesse caído, e não um pai de família. A contradição
existente é que, dentro de casa, o homem é o líder, mas na rua é um sujeito
qualquer, um parafuso da engrenagem capitalista, no caso, da construção de imóveis
que vão servir luxuosamente a outras pessoas.
As
outras estrofes apenas repetem a história, causando certas confusões, como em “Ergueu
no patamar quatro paredes flácidas”. Logicamente, daria para estender muito
mais a análise das duas últimas estrofes, mas vou me ater apenas alguns
trechos. A indiferença do homem é realçada em “Morreu na contramão
atrapalhando o público” e, melhor ainda, em uma das melhores partes da
letra: “Morreu na contramão atrapalhando o sábado”.
Foi uma
jogada muito inteligente com o “atrapalhando o sábado”, porque é como se
o descanso do público tivesse sido interrompida pela morte do trabalhador.
Enquanto ele estava erguendo paredes, o público passeava; na hora em que se
acidentou e morreu, incomodou os outros.
As
estrofes começam com “amou” e terminam com “morreu”, outra
antítese muito interessante da letra que destaca a narrativa, onde as coisas
começam bem e, de uma maneira ou de outra, terminam num fim. Neste caso, o fim
é sua própria morte, deixando para trás o seu lar, onde sua posição como líder
era muito importante; deixa de lado também seu trabalho, onde era
insignificante.
No
arranjo da música, percebe-se que a última estrofe é cantada de um modo mais
acelerado, com sons vindo de todos os lados. Este efeito gera uma confusão, um
desnorteamento que ilustra a vida sem rumo daquele trabalhador. A repetição do
mesmo alicerce das estrofes mostra que esta rotina é comum, acontecendo com
vários trabalhadores por aí, todos invisíveis à sociedade.
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